2004/07/20
Não houve dinossauros
Festival Vilar de Mouros, 18 de Julho de 2004
Regressei segunda de manhã de Vilar de Mouros depois de 8 horas de comboio e de uma noite muito mal dormida . O u seja, acampei. Agora passada a odisseia até lhe encontro certa graça mas na altura tivesse eu caçadeira à mão e haveria muito choro e ranger de dentes. É que não foram apenas inofensivos djembés ou Didgeridoos (que em má hora resolverem vender nas barraquinhas da Vila) , foi a tenda de música electrónica que plantaram a 50 metros da zona de campismo, foi porque alguém quis renovar o mote "oh Elsa!" para "quero dormir e mai'nada!", propagado várias vezes entre as 5 e as 7 da manhã. Foi mau.
Do festival só assisti ao último dia e confesso que só prestei atenção a dois concertos. Polly Paulusma esteve em palco, guitarra acústica em punho, poucos gatos pingados à frente. Gary Jules esteve em palco, ao que parece guitarra emprestada que roubaram o material em Espanha, mais alguns gatos pingados. De longe chegavam frases desse tema omnipresente na SIC Mulher e ainda de uma versão do "Ashes to ashes" do Bowie e mesmo assim tenho que admitir que jogar matrecos soube-me melhor.
Entra PJ Harvey. Aproximação ao palco para observar melhor. Se viram a capa do Blitz de hoje , que numa de benevolência direi que é representativa por um lado da crueza por outro da sensualidade de uma das poucas (pouquíssimas) mulheres do rock (à séria) e não uma foto meio adolescente em que, passe a expressão, "os faróis iam acessos", saberão que foi um grande concerto. PJ entregou aquilo que se esperava . A voz desgarrada, toda uma rudeza entre guitarra e bateria que fazem lembrar o início da sua carreira (falo de Dry e Rid of Me). O corpo franzino, o fato vermelho coleante, tímidos "obrigado" , fotos da capa do Uh Huh Her colados às costas do vestido (bem este pormenor achei algo duvidoso, mas está bem), a entrega presente na forma como se mexe e pelas veias que lhe sobressaem do pescoço.
O concerto foi em grande parte dedicado ao último trabalho com os temas fortes como "The Letter", "Who the fuck", "Shame", "The life and Death of Mr. Badmouth" a realçar essa rudeza . Visitou-se também Stories from the City, Stories from the Sea através de "The Whores Hustle and the Hustlers Whore", "Is this love" , ou ainda "Victory" do já longínquo Dry. O que ajudou e muito a fazer deste concerto grande foi a presença de um novo guitarrista na banda (não sei o nome), que tanto na guitarra como na bateria ( houve temas que chegaram a ter duas baterias, intensificando ainda mais o som) libertaram PJ da sua guitarra dando-lhe possibilidade de realmente se concentrar na voz. Muito bom.
De Bob Dylan fui sem saber o que esperar. É verdade lá em casa verdadeiros fãs são os meus pais, a discografia é deles e do que ouvi cheguei à conclusão que não conhecia nada pós 70. Já depois do concerto estive a falar com um amigo do meu pai que me dizia que tinha tido muita pena não poder ter ido. E num gesto de condescendência dá-me uma palmada nas costa e afirma: "Mas olha que aquilo é mais nosso que vosso!". Engana-se.
Por essas e por outras lhe chamam dinossauro, porque temos essa imagem pré fabricada de Bob Dylan o folk song writer do "Just like a woman", "Blowing in the wind", de cantor preferido dos pais, que vive na sombra da genialidade dos anos 60 e está curvado e velhinho. Se calhar estamos a confundir a figura com a do Papa.
Pois surpreendam-se, surpreendi-me eu, o Dylan está ao piano e na harmónica e não na guitarra, as referências estão hoje mais ligadas ao delta do Mississipi que a Nashville, o concerto não foi a esperada fórmula de greatest hits misturados com alguma coisa recente mas quase todo dedicado ao Love & theft (de 2001) , um show de blues, regressando-se ao passado apenas uma vez com "Like a rolling Stone" já em período de encore. A voz não está mortiça ou incompreensível, mas antes segura, mais grave e menos metálica e com essa a forma de encadear as palavras que a tornam característica e única. O homem não está curvadinho, nem acabado, aliás passou o concerto todo em pé. "His band" foi também fenomenal, onde não faltaram lap steel guitars ou mandolins (não me perguntem como se diz isto em português, é aquela guitarra que se toca sentado com um slide e a outra uma guitarra cuja a forma lembra um pouco a guitarra portuguesa).
Interessante também é que Bob Dylan arrasta atrás de si grupos de verdadeiros connaisseurs , detentores de todos os bootlegs possíveis e imaginários percorrendo o mundo para marcar presença nos seus concertos. Além do capital de conhecimento (e de coleccionismo, porque um artista deste calibre tem muito onde se gastar dinheiro) dão ainda excelentes dicas sobre o que esperar. "Vais gostar muito. Espera algo muito blues" disse-me um deles. Foi verdade.
Ou seja, o Columbia recording artist, não se vendeu e numa só palavra é genuíno. Do mais genuíno que se pode assistir ao vivo. Do melhor que já vi ao vivo. Tomara a muitos grupos, a muitos revivals, a muitos que soam a , a muita pirotecnia e luzes que tocassem assim. Numa visão romântica acho que gravações ou imagens não foram permitidas porque se quer manter a pureza do espectáculo, porque a música basta a si mesma. E mai'nada !
Regressei segunda de manhã de Vilar de Mouros depois de 8 horas de comboio e de uma noite muito mal dormida . O u seja, acampei. Agora passada a odisseia até lhe encontro certa graça mas na altura tivesse eu caçadeira à mão e haveria muito choro e ranger de dentes. É que não foram apenas inofensivos djembés ou Didgeridoos (que em má hora resolverem vender nas barraquinhas da Vila) , foi a tenda de música electrónica que plantaram a 50 metros da zona de campismo, foi porque alguém quis renovar o mote "oh Elsa!" para "quero dormir e mai'nada!", propagado várias vezes entre as 5 e as 7 da manhã. Foi mau.
Do festival só assisti ao último dia e confesso que só prestei atenção a dois concertos. Polly Paulusma esteve em palco, guitarra acústica em punho, poucos gatos pingados à frente. Gary Jules esteve em palco, ao que parece guitarra emprestada que roubaram o material em Espanha, mais alguns gatos pingados. De longe chegavam frases desse tema omnipresente na SIC Mulher e ainda de uma versão do "Ashes to ashes" do Bowie e mesmo assim tenho que admitir que jogar matrecos soube-me melhor.
Entra PJ Harvey. Aproximação ao palco para observar melhor. Se viram a capa do Blitz de hoje , que numa de benevolência direi que é representativa por um lado da crueza por outro da sensualidade de uma das poucas (pouquíssimas) mulheres do rock (à séria) e não uma foto meio adolescente em que, passe a expressão, "os faróis iam acessos", saberão que foi um grande concerto. PJ entregou aquilo que se esperava . A voz desgarrada, toda uma rudeza entre guitarra e bateria que fazem lembrar o início da sua carreira (falo de Dry e Rid of Me). O corpo franzino, o fato vermelho coleante, tímidos "obrigado" , fotos da capa do Uh Huh Her colados às costas do vestido (bem este pormenor achei algo duvidoso, mas está bem), a entrega presente na forma como se mexe e pelas veias que lhe sobressaem do pescoço.
O concerto foi em grande parte dedicado ao último trabalho com os temas fortes como "The Letter", "Who the fuck", "Shame", "The life and Death of Mr. Badmouth" a realçar essa rudeza . Visitou-se também Stories from the City, Stories from the Sea através de "The Whores Hustle and the Hustlers Whore", "Is this love" , ou ainda "Victory" do já longínquo Dry. O que ajudou e muito a fazer deste concerto grande foi a presença de um novo guitarrista na banda (não sei o nome), que tanto na guitarra como na bateria ( houve temas que chegaram a ter duas baterias, intensificando ainda mais o som) libertaram PJ da sua guitarra dando-lhe possibilidade de realmente se concentrar na voz. Muito bom.
De Bob Dylan fui sem saber o que esperar. É verdade lá em casa verdadeiros fãs são os meus pais, a discografia é deles e do que ouvi cheguei à conclusão que não conhecia nada pós 70. Já depois do concerto estive a falar com um amigo do meu pai que me dizia que tinha tido muita pena não poder ter ido. E num gesto de condescendência dá-me uma palmada nas costa e afirma: "Mas olha que aquilo é mais nosso que vosso!". Engana-se.
Por essas e por outras lhe chamam dinossauro, porque temos essa imagem pré fabricada de Bob Dylan o folk song writer do "Just like a woman", "Blowing in the wind", de cantor preferido dos pais, que vive na sombra da genialidade dos anos 60 e está curvado e velhinho. Se calhar estamos a confundir a figura com a do Papa.
Pois surpreendam-se, surpreendi-me eu, o Dylan está ao piano e na harmónica e não na guitarra, as referências estão hoje mais ligadas ao delta do Mississipi que a Nashville, o concerto não foi a esperada fórmula de greatest hits misturados com alguma coisa recente mas quase todo dedicado ao Love & theft (de 2001) , um show de blues, regressando-se ao passado apenas uma vez com "Like a rolling Stone" já em período de encore. A voz não está mortiça ou incompreensível, mas antes segura, mais grave e menos metálica e com essa a forma de encadear as palavras que a tornam característica e única. O homem não está curvadinho, nem acabado, aliás passou o concerto todo em pé. "His band" foi também fenomenal, onde não faltaram lap steel guitars ou mandolins (não me perguntem como se diz isto em português, é aquela guitarra que se toca sentado com um slide e a outra uma guitarra cuja a forma lembra um pouco a guitarra portuguesa).
Interessante também é que Bob Dylan arrasta atrás de si grupos de verdadeiros connaisseurs , detentores de todos os bootlegs possíveis e imaginários percorrendo o mundo para marcar presença nos seus concertos. Além do capital de conhecimento (e de coleccionismo, porque um artista deste calibre tem muito onde se gastar dinheiro) dão ainda excelentes dicas sobre o que esperar. "Vais gostar muito. Espera algo muito blues" disse-me um deles. Foi verdade.
Ou seja, o Columbia recording artist, não se vendeu e numa só palavra é genuíno. Do mais genuíno que se pode assistir ao vivo. Do melhor que já vi ao vivo. Tomara a muitos grupos, a muitos revivals, a muitos que soam a , a muita pirotecnia e luzes que tocassem assim. Numa visão romântica acho que gravações ou imagens não foram permitidas porque se quer manter a pureza do espectáculo, porque a música basta a si mesma. E mai'nada !