2004/06/04
Entrevista Wraygunn
Os Wraygunn são uma banda de Coimbra composta por elementos veteranos nas lides do Rock e que editaram muito recentemente o seu 2.º disco, Eclesiastes 1:11. O vocalista Paulo Furtado (também conhecido como Legendary Tiger Man) concedeu-nos uma descontraída entrevista em que houve tempo para falar de tudo um pouco:
A Corneta: Sabemos que antes dos Wraygunn estiveste nos Tédio Boys e és também conhecido como Legendary Tiger Man. Poderias começar por explicar um pouco o vosso percurso?
Paulo Furtado: Basicamente a primeira banda a que se possa chamar isso em que estive foram os Tédio Boys, que começaram em 1989, depois disso tive em dois projectos que começaram mais ou menos ao mesmo tempo, na altura em que acabaram os Tédio Boys, que são o meu projecto a solo, o Legendary Tiger Man e os Wraygunn. A Raquel [Ralha, voz] e o Pedro Pinto [bateria] pertencem aos Belle Chase Hotel e ao Azembla’s Quartet, e o Sérgio Cardoso [baixo, voz] pertenceu aos Émasfoi-se.
AC: Como é que fazem para conciliar os vossos outros projectos com os Wraygunn?
PF: Acho que para todas as pessoas a prioridade é Wraygunn.
AC: Por o álbum ter saído agora?
PF: Não. Desde sempre a prioridade foi Wraygunn. Se calhar menos para a Raquel que veio dos Belle Chase Hotel e esse foi se calhar o primeiro projecto onde ela ganhou mais preponderância, mas como também é uma coisa que está mais ou menos parada neste momento... acho que sem dúvida para já para toda a gente a prioridade é Wraygunn.
AC: Hoje em dia fala-se da cena musical de Coimbra como o novo centro do rock do país. De certa forma és um pouco um dos pilares dessa cena. Como é que a encaras? Vês te como pioneiro?
PF: Não, eu acho que sempre foi assim, já desde os Émasfoise, desde os Tédio Boys, desde uma série de outras bandas que se calhar nunca saíram o suficiente para fora de Coimbra ou para fora de um certo âmbito regional, acho que há lá um microclima de Rock’n’Roll, disso não tenho dúvida.
AC: Mas isso como é que se justifica? É por causa da universidade, por haver em Coimbra muitos estudantes?
PF: Não, acho que não tem mesmo nada a ver com isso, muito pelo contrário, porque a maior parte das pessoas são de Coimbra. Acho que os grandes responsáveis por isso, em última análise, foram os Tédio Boys. Acho que foi um fenómeno importante. Mesmo o modo das pessoas estarem na rua durante muitos anos acho que foi bastante alterado pelo facto de terem existido os Tédio Boys.
AC: Nos Wraygunn o vosso som é bastante eclético, têm referências a rock, mas também blues, soul, funk, punk e hip-hop. É um resultado que buscam desde o início ou resulta das influências dos diferentes membros do grupo?
PF: Acho que é as duas coisas. É pretendido desde o início, mas acho que só agora é que realmente conseguimos criar um som que eu considero que junta tudo isto e que resulta. Basicamente acho que no primeiro disco havia músicas em que isso resultava e havia outras em que isso falhava. Este disco já está bastante mais coeso.
AC: E destas referências todas o que é que vos marca mais como banda?
PF: Eu vou responder por mim, e se calhar não pela banda. Por mim acaba sempre por ser os blues, neste momento pelo menos. A maior parte das linhas de guitarra tem a ver com blues e se calhar isso não resultou num disco de blues porque o próprio tratamento que nós demos às músicas não direcciona este álbum apenas para os blues ou para o deixar compartimentável apenas nos blues. Mas acho que é a linha condutora deste disco.
AC: Se isto fosse blues, era o blues infernal do ano 2000, não é?
PF: E acaba por ser um bocado. Acho que há muitas coisas em que tentamos manter os blues de algum modo vivos e contemporâneos.
AC: Quando ouço o vosso álbum lembro-me de nomes como Primal Scream, Happy Mondays, Stone Roses e também John Spencer Blues Explosion. São vossas influências, ou mais uma vez é pura coincidência?
PF: Os Blues Explosion são. Os outros… indirectamente, talvez, num ou outro membro da banda.
AC: Quais são então as vossas influências?
PF: Posso dizer que o baixista 90% do que ouve é Reggae e Dub, o baterista ouve um bocado de tudo, eu ouço também muita coisa... é um bocado de tudo... A grande influência acho que são os blues. Depois há uma série de coisas... eu ouço muitas vezes, adoro rumbas e cha-cha-chas e tangos antigos, e se calhar há coisas que neste disco não estão logo instantaneamente claras mas que acabam por estar lá. No fundo há muitas coisas que influenciaram este disco, muitos géneros, desde o drum’n’bass até ás rumbas, que eu acho que têm espaço neste disco, se calhar não de uma maneira óbvia, visível assim à primeira, mas que acho que estão presentes.
AC: A primeira faixa, Soul City, faz imenso lembrar o Loaded dos Primal Scream...
PF: Já alguém me tinha dito isso...
AC: Qual é o sample que vocês usaram para o discurso? É o Martin Luther King?
PF: Exactamente...
AC: Pois, é por isso que faz muito lembrar... Não foi intencional?
PF: Não.
AC: Como é que vocês encaram, ou se enquadram, na ressureição do rock a que se assiste actualmente? Entusiasmam-vos bandas como Scissor Sisters ou Franz Ferdinand? O revivalismo dos anos 80?
PF: Há coisas que são engraçadas. Mas as coisas mais engraçadas que estão agora em força eu já gostava também antes. Se calhar por terem tido mais visibilidade, por exemplo como os White Stripes, que acho uma banda bastante interessante e que é óptimo que tenham estado em número 1 em Inglaterra, há esperança para géneros de música mais alternativos... de resto acho que vai havendo alguns projectos interessantes, sempre, no meio disso, mas acho que a maior parte acaba por ser também uma coisa passageira, que vai durar 2 anos ou 3 e pronto...
AC: Mas o sucesso destas bandas abre portas ao vosso som, ou nem por isso?
PF: Acho que não. Acho que nós temos a atitude rock’n’roll mas acho que não podemos fazer as coisas como eram feitas no passado, temos sempre que tentar fazer qualquer coisa mais interessante ou tentar dar alguma coisa ao género. Eu acho que a maior parte dessas bandas de rock’n’roll estão a fazer exactamente o que se fazia há 20 ou 25 anos. Acho isso uma perfeita perda de tempo porque as bandas da altura eram bastante melhores.
AC: Isso leva-me directamente à pergunta seguinte: a citação de Eclesiastes 1.11 “Já não há lembrança das coisas que precederam, e das coisas que hão de ser, também delas não haverá lembrança entre aqueles que hão de vir depois.” É uma metáfora ao mundo da música, à pilhagem e mistura de estilos e à efemeridade das modas?
PF: Para nós é o estado do mundo neste momento, é uma coisa que vês no dia a dia, nas coisas mais simples, em que não tens tempo para reflectir sobre quase nada, em que estás sempre a passar de uma coisa para a outra, em que não tens tempo para almoçar devidamente e por isso vais comer ao Mc Donalds... acho que a maior parte das pessoas sofre de um consumismo imediato, não dá tempo para as pessoas pensarem porque é que estão a comprar um livro, ou porque é que estão a comprar um cd ou um dvd e não estão a comprar outro, ou se o fazem porque são assediadas pela publicidade. Nós gostamos de reflectir as coisas, gostamos de ir buscar coisas ao passado, porque acreditamos que também há o futuro, e queremos fazer as coisas o melhor possível porque aquilo que estamos a fazer, no fundo, daqui a 500 anos, é a única coisa que vai ficar nossa... basicamente acreditamos que as coisas têm consequências e têm que ser levadas a sério... mas não é uma crítica social, é um ambiente em que nós vivemos, em que nós próprios nalgumas coisas também sucumbimos a isso... é uma espécie de um “alerta”.
AC: É a mensagem do disco?
PF: Não. A mensagem do disco acho que é completamente diferente, é uma mensagem de optimismo... logo pela abertura, pelo discurso do Martin Luther King, acho que isso reflecte mais para mim a mensagem do disco, do que propriamente o título.
AC: Mas para quem não ouvir o disco a imagem que passa é a da lixeira, da capa e da contracapa. Há então uma dualidade, o visual versus o que está na música. É propositado fazer este contraste?
PF: É. Eu quando faço a parte gráfica gosto que as coisas façam sentido, que existam por alguma razão, daí que a lixeira obviamente é uma referência a todas as coisas que nós já não queremos usar do nosso passado, queremos fingir que não existem...
AC: Vocês cantam em inglês. Foi escolhido por ser a linguagem do rock e do blues, para facilitar a aceitação, porque é o que sai mais natural?
PF: Eu acho que facilita, de certeza absoluta no estrangeiro. Em relação ao rock português, eu realmente tinha uma outra música que depois não tive tempo de acabar para este disco que era em português. Mas normalmente sai em inglês... até por ser a linguagem nativa do blues e do rock’n’roll, há determinadas coisas que acaba por ser bastante mais complicado compor em português. Há outras que são naturalmente em português. Um fado em inglês, por exemplo, é uma coisa estranha. Havia uma versão da Amália para o Summertime que era um bocado estranha...
AC: Portanto para cantar na linha do rock e do blues tem que ser em inglês?
PF: Não tem que ser. Aliás no outro álbum tivemos uma canção em português. Eu é que de algum modo não consigo exprimir em português o que consigo exprimir em inglês. No outro álbum convidámos o Adolfo [Luxúria Canibal, dos Mão Morta], e acho que o resultado foi porreiro, conseguiu fazer uma interpretação óptima.
AC: Mas os Mão Morta cantam quase sempre em português...
PF: Lá está. Mas eu acho que se fosse eu a cantar em português, por exemplo, se calhar aquela música não resultava credível.
AC: Como é a experiência Wraygunn ao vivo?
PF: Pelo nosso lado, é dar o máximo que se pode dar, como se fosse o último concerto das nossas vidas... acho que o fundamento das bandas, sempre, à parte dos discos que são mais uma “marca para a posteridade”, é tocar ao vivo. E deve ser boa ao vivo. E fundamentalmente é isso que nos interessa.
AC: Vão tocar no festival Super Bock Super Rock no dia em que se espera que haja mais afluência de público, por causa dos Pixies e dos Massive Attack... Trata-se de uma oportunidade de chegar ao um público mais vasto, ou é uma responsabilidade muito grande?
PF: Não, nós já quando lançamos o outro disco tocámos no palco principal em Paredes de Coura e já tivemos bastantes concertos “grandes”. Acho que é uma oportunidade de as pessoas que já nos conhecem verem as alterações que a banda sofreu e é uma óptima oportunidade de apresentar o nosso trabalho...
AC: Vão partilhar o palco com outras bandas portuguesas emergentes e outras mais estabelecidas. São fãs de algumas delas?
PF: Gosto dos Clã. Ainda não ouvi o último álbum mas acho que é uma banda que tem muito valor e que merecem aquilo que têm. Dos X-Wife, nossos colegas de editora, gosto bastante. Os Loosers ainda não ouvi, mas tenho ouvido dizer muito bem.
AC: Sabemos que os vossos vídeos costumam ter argumentos, feitos por ti, e que o próximo será inspirado no fotográfo La Chapelle. Vale a pena investir nesta forma de divulgação do disco, tendo em conta a divulgação relativamente pequena que os vídeos têm, em Portugal, ondem tendem a só passar no cabo?
PF: O video é sempre uma mais valia, por exemplo para quando tivermos o disco editado para a Europa... e mesmo em Portugal já têm bastante mais rodagem do que tinham anteriormente. Claro que é só na TV Cabo... Acho que uma das coisas que está a impedir que as bandas portuguesas cresçam, e neste momento acho que há muitas bandas portuguesas boas, é o facto de realmente a televisão nacional e a televisão estatal se estar completamente a “cagar” na música portuguesa... não há outra palavra, é mesmo essa. E acho que é a única coisa que impede o grande público de tomar contacto e de se aperceber que há muitas bandas em Portugal a fazer coisas interessantes.
AC: Mas isso liga ao problema das rádios nacionais operarem todas por playlist e não haver muito espaço para divulgação de coisas novas, e das editoras insistirem em tentar impor quotas de música nacional nas rádios como meio de combater esse fenómeno. Como banda portuguesa, vocês são os principais prejudicados... o que pensam disto?
PF: As playlists acho que não há como dar a volta á situação. Há de sempre haver playlists e há de sempre haver programas de autor. Se calhar era bom que houvesse mais programas de autor. Mas não há nada a fazer, é o modo como as coisas funcionam... Quanto às quotas acho um absurdo... como já disse uma vez, para simplificar a questão acho que 30% de merda portuguesa ou inglesa acaba sempre por ser 30% de merda... Acho que o que é preciso melhorar é a qualidade da rádio, independentemente de se passar música portuguesa, inglesa, chinesa, japonesa...
AC: Já trabalhaste em rádio?
PF: Trabalhei durante muito pouco tempo na Rádio Universidade de Coimbra. Mas falava demais...fui dispensado em muito pouco tempo...
AC: Quais são os vossos projectos para a promoção do álbum?
PF: O próximo passo é naturalmente a negociação. Há 2 ou 3 editoras interessadas e vai resolver-se nas próximas semanas a edição para a Europa. E a partir daí vou tentar tocar na Europa como estou a fazer com o meu projecto a solo...
AC: Como tem sido a aceitação desse projecto lá fora? Tem sido principalmente tocado para as comunidades portuguesas?
PF: É uma coisa curiosa, em todos os meus projectos, incluindo os Tédio Boys, que tiveram quase 500 concertos nos Estados Unidos, nunca tocámos para comunidades portuguesas. O que me leva a pensar... coisas estranhas (risos)... acho que os portugueses também não são um povo que por livre e espontânea vontade queira experimentar muitas coisas, que queira perceber o que é que está por baixo de uma capa ou de um revestimento. Acho que isso se nota porque há muitos artistas portugueses que dizem “Ah, eu vou tocar a Berlin, eu vou tocar a Paris” e no fundo estão a fazer uma extensão do público português em França, aqui e ali... não é a mesma coisa que realmente estar a tocar para franceses, para espanhóis... Acho que era bom que houvesse cada vez mais bandas portuguesas a serem internacionais, acho que era fantástico para toda a gente...
AC: Referiste que com os Tédio Boys tocaste mais de 500 concertos nos Estados Unidos. É daí que vem a influência dos Blues e do Rock?
PF: Sim, acho que durante as tournées aprendi muito com vários guitarristas e acho que evolui muito mais a partir desse contacto do que em todos os anos anteriores...
AC: Mas o som dos Tédio Boys era uma coisa um bocado mais Rockabilly...
PF: Não, lá está, acho que os Tédio Boys tinham uma postura engraçada e se não tivessem acabado estariam onde estão os Strokes hoje. Não tenho a mínima dúvida disso. Mas como sempre, nós fazíamos as coisas enquanto as coisas nos davam gozo, e as coisas deixaram de dar gozo entre nós... portanto a coisa acabou, mas acho que foi uma banda que esteve também um bocado à frente do seu tempo apesar de ir buscar coisas atrás... tinha um som bastante característico e curiosamente há um quarto álbum que nunca saiu e eu continuo a fazer alguma pressão na editora nos Estados Unidos para que saia... por acaso é um álbum muito interessante e eu gostava imenso que fosse comercializado porque acho que é realmente o nosso melhor material.
Ler mais? Disco Digital; Clix
A Corneta: Sabemos que antes dos Wraygunn estiveste nos Tédio Boys e és também conhecido como Legendary Tiger Man. Poderias começar por explicar um pouco o vosso percurso?
Paulo Furtado: Basicamente a primeira banda a que se possa chamar isso em que estive foram os Tédio Boys, que começaram em 1989, depois disso tive em dois projectos que começaram mais ou menos ao mesmo tempo, na altura em que acabaram os Tédio Boys, que são o meu projecto a solo, o Legendary Tiger Man e os Wraygunn. A Raquel [Ralha, voz] e o Pedro Pinto [bateria] pertencem aos Belle Chase Hotel e ao Azembla’s Quartet, e o Sérgio Cardoso [baixo, voz] pertenceu aos Émasfoi-se.
AC: Como é que fazem para conciliar os vossos outros projectos com os Wraygunn?
PF: Acho que para todas as pessoas a prioridade é Wraygunn.
AC: Por o álbum ter saído agora?
PF: Não. Desde sempre a prioridade foi Wraygunn. Se calhar menos para a Raquel que veio dos Belle Chase Hotel e esse foi se calhar o primeiro projecto onde ela ganhou mais preponderância, mas como também é uma coisa que está mais ou menos parada neste momento... acho que sem dúvida para já para toda a gente a prioridade é Wraygunn.
AC: Hoje em dia fala-se da cena musical de Coimbra como o novo centro do rock do país. De certa forma és um pouco um dos pilares dessa cena. Como é que a encaras? Vês te como pioneiro?
PF: Não, eu acho que sempre foi assim, já desde os Émasfoise, desde os Tédio Boys, desde uma série de outras bandas que se calhar nunca saíram o suficiente para fora de Coimbra ou para fora de um certo âmbito regional, acho que há lá um microclima de Rock’n’Roll, disso não tenho dúvida.
AC: Mas isso como é que se justifica? É por causa da universidade, por haver em Coimbra muitos estudantes?
PF: Não, acho que não tem mesmo nada a ver com isso, muito pelo contrário, porque a maior parte das pessoas são de Coimbra. Acho que os grandes responsáveis por isso, em última análise, foram os Tédio Boys. Acho que foi um fenómeno importante. Mesmo o modo das pessoas estarem na rua durante muitos anos acho que foi bastante alterado pelo facto de terem existido os Tédio Boys.
AC: Nos Wraygunn o vosso som é bastante eclético, têm referências a rock, mas também blues, soul, funk, punk e hip-hop. É um resultado que buscam desde o início ou resulta das influências dos diferentes membros do grupo?
PF: Acho que é as duas coisas. É pretendido desde o início, mas acho que só agora é que realmente conseguimos criar um som que eu considero que junta tudo isto e que resulta. Basicamente acho que no primeiro disco havia músicas em que isso resultava e havia outras em que isso falhava. Este disco já está bastante mais coeso.
AC: E destas referências todas o que é que vos marca mais como banda?
PF: Eu vou responder por mim, e se calhar não pela banda. Por mim acaba sempre por ser os blues, neste momento pelo menos. A maior parte das linhas de guitarra tem a ver com blues e se calhar isso não resultou num disco de blues porque o próprio tratamento que nós demos às músicas não direcciona este álbum apenas para os blues ou para o deixar compartimentável apenas nos blues. Mas acho que é a linha condutora deste disco.
AC: Se isto fosse blues, era o blues infernal do ano 2000, não é?
PF: E acaba por ser um bocado. Acho que há muitas coisas em que tentamos manter os blues de algum modo vivos e contemporâneos.
AC: Quando ouço o vosso álbum lembro-me de nomes como Primal Scream, Happy Mondays, Stone Roses e também John Spencer Blues Explosion. São vossas influências, ou mais uma vez é pura coincidência?
PF: Os Blues Explosion são. Os outros… indirectamente, talvez, num ou outro membro da banda.
AC: Quais são então as vossas influências?
PF: Posso dizer que o baixista 90% do que ouve é Reggae e Dub, o baterista ouve um bocado de tudo, eu ouço também muita coisa... é um bocado de tudo... A grande influência acho que são os blues. Depois há uma série de coisas... eu ouço muitas vezes, adoro rumbas e cha-cha-chas e tangos antigos, e se calhar há coisas que neste disco não estão logo instantaneamente claras mas que acabam por estar lá. No fundo há muitas coisas que influenciaram este disco, muitos géneros, desde o drum’n’bass até ás rumbas, que eu acho que têm espaço neste disco, se calhar não de uma maneira óbvia, visível assim à primeira, mas que acho que estão presentes.
AC: A primeira faixa, Soul City, faz imenso lembrar o Loaded dos Primal Scream...
PF: Já alguém me tinha dito isso...
AC: Qual é o sample que vocês usaram para o discurso? É o Martin Luther King?
PF: Exactamente...
AC: Pois, é por isso que faz muito lembrar... Não foi intencional?
PF: Não.
AC: Como é que vocês encaram, ou se enquadram, na ressureição do rock a que se assiste actualmente? Entusiasmam-vos bandas como Scissor Sisters ou Franz Ferdinand? O revivalismo dos anos 80?
PF: Há coisas que são engraçadas. Mas as coisas mais engraçadas que estão agora em força eu já gostava também antes. Se calhar por terem tido mais visibilidade, por exemplo como os White Stripes, que acho uma banda bastante interessante e que é óptimo que tenham estado em número 1 em Inglaterra, há esperança para géneros de música mais alternativos... de resto acho que vai havendo alguns projectos interessantes, sempre, no meio disso, mas acho que a maior parte acaba por ser também uma coisa passageira, que vai durar 2 anos ou 3 e pronto...
AC: Mas o sucesso destas bandas abre portas ao vosso som, ou nem por isso?
PF: Acho que não. Acho que nós temos a atitude rock’n’roll mas acho que não podemos fazer as coisas como eram feitas no passado, temos sempre que tentar fazer qualquer coisa mais interessante ou tentar dar alguma coisa ao género. Eu acho que a maior parte dessas bandas de rock’n’roll estão a fazer exactamente o que se fazia há 20 ou 25 anos. Acho isso uma perfeita perda de tempo porque as bandas da altura eram bastante melhores.
AC: Isso leva-me directamente à pergunta seguinte: a citação de Eclesiastes 1.11 “Já não há lembrança das coisas que precederam, e das coisas que hão de ser, também delas não haverá lembrança entre aqueles que hão de vir depois.” É uma metáfora ao mundo da música, à pilhagem e mistura de estilos e à efemeridade das modas?
PF: Para nós é o estado do mundo neste momento, é uma coisa que vês no dia a dia, nas coisas mais simples, em que não tens tempo para reflectir sobre quase nada, em que estás sempre a passar de uma coisa para a outra, em que não tens tempo para almoçar devidamente e por isso vais comer ao Mc Donalds... acho que a maior parte das pessoas sofre de um consumismo imediato, não dá tempo para as pessoas pensarem porque é que estão a comprar um livro, ou porque é que estão a comprar um cd ou um dvd e não estão a comprar outro, ou se o fazem porque são assediadas pela publicidade. Nós gostamos de reflectir as coisas, gostamos de ir buscar coisas ao passado, porque acreditamos que também há o futuro, e queremos fazer as coisas o melhor possível porque aquilo que estamos a fazer, no fundo, daqui a 500 anos, é a única coisa que vai ficar nossa... basicamente acreditamos que as coisas têm consequências e têm que ser levadas a sério... mas não é uma crítica social, é um ambiente em que nós vivemos, em que nós próprios nalgumas coisas também sucumbimos a isso... é uma espécie de um “alerta”.
AC: É a mensagem do disco?
PF: Não. A mensagem do disco acho que é completamente diferente, é uma mensagem de optimismo... logo pela abertura, pelo discurso do Martin Luther King, acho que isso reflecte mais para mim a mensagem do disco, do que propriamente o título.
AC: Mas para quem não ouvir o disco a imagem que passa é a da lixeira, da capa e da contracapa. Há então uma dualidade, o visual versus o que está na música. É propositado fazer este contraste?
PF: É. Eu quando faço a parte gráfica gosto que as coisas façam sentido, que existam por alguma razão, daí que a lixeira obviamente é uma referência a todas as coisas que nós já não queremos usar do nosso passado, queremos fingir que não existem...
AC: Vocês cantam em inglês. Foi escolhido por ser a linguagem do rock e do blues, para facilitar a aceitação, porque é o que sai mais natural?
PF: Eu acho que facilita, de certeza absoluta no estrangeiro. Em relação ao rock português, eu realmente tinha uma outra música que depois não tive tempo de acabar para este disco que era em português. Mas normalmente sai em inglês... até por ser a linguagem nativa do blues e do rock’n’roll, há determinadas coisas que acaba por ser bastante mais complicado compor em português. Há outras que são naturalmente em português. Um fado em inglês, por exemplo, é uma coisa estranha. Havia uma versão da Amália para o Summertime que era um bocado estranha...
AC: Portanto para cantar na linha do rock e do blues tem que ser em inglês?
PF: Não tem que ser. Aliás no outro álbum tivemos uma canção em português. Eu é que de algum modo não consigo exprimir em português o que consigo exprimir em inglês. No outro álbum convidámos o Adolfo [Luxúria Canibal, dos Mão Morta], e acho que o resultado foi porreiro, conseguiu fazer uma interpretação óptima.
AC: Mas os Mão Morta cantam quase sempre em português...
PF: Lá está. Mas eu acho que se fosse eu a cantar em português, por exemplo, se calhar aquela música não resultava credível.
AC: Como é a experiência Wraygunn ao vivo?
PF: Pelo nosso lado, é dar o máximo que se pode dar, como se fosse o último concerto das nossas vidas... acho que o fundamento das bandas, sempre, à parte dos discos que são mais uma “marca para a posteridade”, é tocar ao vivo. E deve ser boa ao vivo. E fundamentalmente é isso que nos interessa.
AC: Vão tocar no festival Super Bock Super Rock no dia em que se espera que haja mais afluência de público, por causa dos Pixies e dos Massive Attack... Trata-se de uma oportunidade de chegar ao um público mais vasto, ou é uma responsabilidade muito grande?
PF: Não, nós já quando lançamos o outro disco tocámos no palco principal em Paredes de Coura e já tivemos bastantes concertos “grandes”. Acho que é uma oportunidade de as pessoas que já nos conhecem verem as alterações que a banda sofreu e é uma óptima oportunidade de apresentar o nosso trabalho...
AC: Vão partilhar o palco com outras bandas portuguesas emergentes e outras mais estabelecidas. São fãs de algumas delas?
PF: Gosto dos Clã. Ainda não ouvi o último álbum mas acho que é uma banda que tem muito valor e que merecem aquilo que têm. Dos X-Wife, nossos colegas de editora, gosto bastante. Os Loosers ainda não ouvi, mas tenho ouvido dizer muito bem.
AC: Sabemos que os vossos vídeos costumam ter argumentos, feitos por ti, e que o próximo será inspirado no fotográfo La Chapelle. Vale a pena investir nesta forma de divulgação do disco, tendo em conta a divulgação relativamente pequena que os vídeos têm, em Portugal, ondem tendem a só passar no cabo?
PF: O video é sempre uma mais valia, por exemplo para quando tivermos o disco editado para a Europa... e mesmo em Portugal já têm bastante mais rodagem do que tinham anteriormente. Claro que é só na TV Cabo... Acho que uma das coisas que está a impedir que as bandas portuguesas cresçam, e neste momento acho que há muitas bandas portuguesas boas, é o facto de realmente a televisão nacional e a televisão estatal se estar completamente a “cagar” na música portuguesa... não há outra palavra, é mesmo essa. E acho que é a única coisa que impede o grande público de tomar contacto e de se aperceber que há muitas bandas em Portugal a fazer coisas interessantes.
AC: Mas isso liga ao problema das rádios nacionais operarem todas por playlist e não haver muito espaço para divulgação de coisas novas, e das editoras insistirem em tentar impor quotas de música nacional nas rádios como meio de combater esse fenómeno. Como banda portuguesa, vocês são os principais prejudicados... o que pensam disto?
PF: As playlists acho que não há como dar a volta á situação. Há de sempre haver playlists e há de sempre haver programas de autor. Se calhar era bom que houvesse mais programas de autor. Mas não há nada a fazer, é o modo como as coisas funcionam... Quanto às quotas acho um absurdo... como já disse uma vez, para simplificar a questão acho que 30% de merda portuguesa ou inglesa acaba sempre por ser 30% de merda... Acho que o que é preciso melhorar é a qualidade da rádio, independentemente de se passar música portuguesa, inglesa, chinesa, japonesa...
AC: Já trabalhaste em rádio?
PF: Trabalhei durante muito pouco tempo na Rádio Universidade de Coimbra. Mas falava demais...fui dispensado em muito pouco tempo...
AC: Quais são os vossos projectos para a promoção do álbum?
PF: O próximo passo é naturalmente a negociação. Há 2 ou 3 editoras interessadas e vai resolver-se nas próximas semanas a edição para a Europa. E a partir daí vou tentar tocar na Europa como estou a fazer com o meu projecto a solo...
AC: Como tem sido a aceitação desse projecto lá fora? Tem sido principalmente tocado para as comunidades portuguesas?
PF: É uma coisa curiosa, em todos os meus projectos, incluindo os Tédio Boys, que tiveram quase 500 concertos nos Estados Unidos, nunca tocámos para comunidades portuguesas. O que me leva a pensar... coisas estranhas (risos)... acho que os portugueses também não são um povo que por livre e espontânea vontade queira experimentar muitas coisas, que queira perceber o que é que está por baixo de uma capa ou de um revestimento. Acho que isso se nota porque há muitos artistas portugueses que dizem “Ah, eu vou tocar a Berlin, eu vou tocar a Paris” e no fundo estão a fazer uma extensão do público português em França, aqui e ali... não é a mesma coisa que realmente estar a tocar para franceses, para espanhóis... Acho que era bom que houvesse cada vez mais bandas portuguesas a serem internacionais, acho que era fantástico para toda a gente...
AC: Referiste que com os Tédio Boys tocaste mais de 500 concertos nos Estados Unidos. É daí que vem a influência dos Blues e do Rock?
PF: Sim, acho que durante as tournées aprendi muito com vários guitarristas e acho que evolui muito mais a partir desse contacto do que em todos os anos anteriores...
AC: Mas o som dos Tédio Boys era uma coisa um bocado mais Rockabilly...
PF: Não, lá está, acho que os Tédio Boys tinham uma postura engraçada e se não tivessem acabado estariam onde estão os Strokes hoje. Não tenho a mínima dúvida disso. Mas como sempre, nós fazíamos as coisas enquanto as coisas nos davam gozo, e as coisas deixaram de dar gozo entre nós... portanto a coisa acabou, mas acho que foi uma banda que esteve também um bocado à frente do seu tempo apesar de ir buscar coisas atrás... tinha um som bastante característico e curiosamente há um quarto álbum que nunca saiu e eu continuo a fazer alguma pressão na editora nos Estados Unidos para que saia... por acaso é um álbum muito interessante e eu gostava imenso que fosse comercializado porque acho que é realmente o nosso melhor material.
Ler mais? Disco Digital; Clix