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2004/01/27

Entrevista com os X-Wife 

Propuseram-nos entrevistar o João Vieira (guitarra, voz) e o Rui Maia (drum machine, teclas) dos X-Wife, uma banda de cujo som eu pessoalmente gosto muito,e que já tinha referido várias vezes por aqui. O que começou por ser uma curta entrevista acabou por se alongar numa conversa em torno do novo álbum Feeding the Machine... (um aviso, este post é um bocado mais extenso do que é hábito...)

A Corneta: João, sabemos que começaste as tuas aventuras no mundo na música em Londres. Fala-nos um pouco do teu percurso.

João Vieira: Eu fiz um curso de design gráfico lá. Estava lá a estudar, e ao mesmo tempo tocava já em bandas, comecei a por música na associação de estudantes da minha faculdade, e daí com uns amigos decidimos começar o nosso próprio Club também.

AC: Portanto a música nessa altura era um hobbie?

JV: Tinha aquele sonho de ter uma banda, a banda na altura tinha piada, era uma coisa um bocado glam-rock e nós tentámos sempre ter um contrato discográfico, só que em Londres é complicado, há muitas bandas e há muita oferta, é difícil destacares-te no meio de tanta coisa.

AC: A ideia de ter uma banda veio antes da ideia de ser DJ?

JV: Não, a ideia de ser DJ nunca apareceu [lá], ser DJ só apareceu cá no Porto, porque as pessoas ligam muito a essa coisa de DJ. Lá era mais ter um Club em que passas música. Eu ainda agora não tenho mesa de mistura nem pratos em casa, tenho um gira discos normal e um leitor de CDs normal, e considero mais que passo música do que essa coisa de DJ. Por isso a banda e fazer música veio sempre muito à frente do DJ, isso era muito mais um hobbie. Pensei sempre que conseguiria um contrato discográfico mais rápido do que ser DJ.

AC: Então e tu, Rui?

Rui Maia: Tive várias bandas e já toquei bateria, guitarra, baixo, agora toco teclas, a parte electrónica e a drum machine também.

AC: Foi um hobbie que cresceu?

RM: Sim, desde que tinha 6 anos os meus irmãos tinham instrumentos em casa, bateria, baixo, guitarra e mais coisas, e tive sempre tendência a experimentar.

AC: Antes do álbum tinham apenas lançado um EP, o “Rockin’ Rio” e dado alguns concertos, e isso chegou para que na altura do verão já se falasse de vocês como a “mais surpreendente banda de rock do momento”. Agora que estão a lançar o álbum, esta expectativa toda dá-vos confiança ou pelo contrário é uma barreira, colocou-se a fasquia muito alto?

JV: É um pau de dois bicos, não é? Por um lado é bom, mas por outro lado também se criam expectativas muito grandes. É como quando vais ao cinema ver um filme que toda a gente te falou que é muito bom e tu estás à espera que seja realmente uma coisa muito boa. Isso às vezes torna complicado surpreender as pessoas. É muito mais fácil surpreender alguém que nunca viu ou nunca ouviu e que vai ver e saí de lá e gosta imenso quando é uma banda totalmente desconhecida. Quando já ouviu falar muita coisa, e ainda para mais se tiver boas críticas, é mais difícil surpreender. Mas eu acho que não nos deixamos ficar mal, que os concertos correspondem, têm muita força, não são muito parados, e acho que o álbum também tem aquela energia toda. Nos tentamos dar o máximo que podemos e ficarmos satisfeitos, acharmos que está um trabalho final com qualidade. Por isso essa questão das expectativas é sempre um bocado complicada, mas não há nada que possamos fazer em relação a isso a não ser tentar fazer o melhor que podemos.

AC: E o sucesso inicial antes da edição do álbum acham que se deve ao quê? À associação como DJ Kitten, com o Club Kitten? Ao facto de ser o som que se está a fazer neste momento lá fora? Ao vosso visual? Ou é devido à força do vosso set ao vivo?

JV: Tudo isso que acabaste de dizer, tudo isso que disseste agora contribuiu. É o facto de a música ter muita energia, de estar actualizada, que é uma coisa que os jornalistas dizem muito, que se está a fazer uma coisa cá em Portugal ao mesmo tempo que lá fora, não estamos atrasados no tempo como há uns anos. A coisa do visual é uma coisa menos importante, mas a nossa maneira de vestir tem a ver com as coisas que gostamos, a musica que ouvimos, tu adaptas-te a esse estilo de vida...

AC: E na parte gráfica, nas capas, no site? São vocês que tratam de tudo?

JV: Sou eu que faço. O site foi um amigo meu, de Londres, porque eu não sei programar, não tenho experiência em fazer websites. Se tivesse fazia eu e até preferia porque actualizava muito melhor. Porque é um bocado complicado estar sempre a mandar mails a dizer “vá, actualiza isso, põe aí estas datas de concertos”. Mas tudo é importante numa banda. Para todas as maiores bandas de todas as épocas, toma o exemplo dos Clash, tinham boa música mas também tinham um visual muito próprio que era muito importante, toma também o David Bowie, que sempre ligou muito ao visual... tudo isso faz parte da música, faz parte do conceito de banda e de artista.

RM: Quando as coisas surgem naturalmente, quando nós somos genuínos, é sempre muito mais interessante.

AC: Há quem diga que a vossa banda se preocupa demasiado em “parecer fixe”, assim modernos...

JV: Mas nos somos modernos! (risos) Ora nos fazemos música moderna, estamos a par das coisas novas que se fazem, por isso não é uma questão de parecer, sai naturalmente.

RM: Nós só nos conhecemos há dois anos, e eu já me vestia assim se calhar há mais do que dois anos...

JV: Nós começamos por querer fazer uma banda convencional, bateria, baixo guitarra e voz, e eu só ia cantar, porque eu era só o vocalista, não era guitarrista. Quando nós fomos para a sala de ensaios estavam lá dois amigos do Rui, um baterista e um guitarrista, e nós fizemos o primeiro ensaio e dissemos logo que não era aquilo que queríamos, era muito convencional e andávamos a tocar em bandas assim há anos, queríamos fazer uma coisa diferente. E eu e o Rui começamos os dois, ele fazia a drum machine e os teclados, e eu começei a tocar guitarra e a cantar, que já tocava em casa mas nunca tinha tocado numa banda. Depois sentimos que fazia ali falta um baixo para dar um bocadinho de força àquilo. Nós íamos começar a fazer uma coisa tipo Suicide, só dois, uma coisa mais atípica, pensámos em projectar imagem, falámos com um VJ para ir ver o conceito e tal, mas depois desistimos, começamos mas é a tocar rock e pronto.

RM: Se eu tivesse mais uma mão, se tivesse três mãos tocava também o baixo (risos).

AC: O vosso set ao vivo é um dos vossos maiores trunfos. Qual é a vossa inspiração? Lembrei-me de uma referência que não vi em lado nenhum, que são os John Spencer Blues Explosion...

JV: É a energia, eu por acaso associo um bocado os Yeah-yeahs ao Jon Spencer, acho que eles vão lá buscar muita coisa.

RM: A nossa ideia é começar a partir logo do início até ao fim, sem parar.

AC: Isso é muito cansativo para vocês, não é?

JV: Para mim então é o pior, eu farto-me de berrar, dou logo muito desde o início e chego ao fim, às últimas músicas... Dou logo muito desde o início. O Rockin’ Rio é o mais difícil, porque a voz saiu muito bem na gravação, é das vozes que eu gosto mais no álbum e depois quando vou fazer ao vivo não pode ser pior. Então esforço-me muito, sinto tonturas e tudo...

AC: Notei que se as condições de som na sala não forem boas a voz perde-se um bocado debaixo das programações e da guitarra...

JV: Há muitos agudos. Da minha parte à guitarra que é muito aguda, o Orange e a Jaguar têm assim um som muito “garage”, muito anos 60. É muito agudo e com a voz aguda aquilo perde-se um bocado... e depois do outro lado tens os teclados mais graves e o baixo, se bem que o baixo também não é assim muito grave, tem muitos agudos. É muito complicado fazer o som de forma a que se consiga perceber tudo. Eu tenho que ter sempre a voz muito alta nos monitores para sentir que estou ali a cantar com força.

RM: Nós gostamos de “deixar as pessoas sem respiração”, das músicas serem quase coladas, para tornar o concerto mais interessante, não haver ali um momento morto...

AC: Mas isso resulta bem porque o vosso set, tanto quanto vi, é relativamente curto. Duas horas assim ninguém aguentava...

RM: Não dá. Quando já és uma banda muito conhecida, tipo os Radiohead ou coisa do género, com um set de duas horas em que tu conheces as músicas dos álbuns, aí é interessante ires ver a banda. Agora quando és uma banda como nós, que acabámos de lançar o álbum e nem toda a gente conhece as nossas músicas, acho que estar a tocar uma hora é um bocado seca para as pessoas... também quanto mais álbuns tiveres, maior o concerto que dás...

JV: Eu lá no Club tinha bandas todas as semanas e a verdade é esta: tu vês uma banda e queres ver 20, 25 minutos da primeira vez que os vês, e já chega. Quando já conheces as músicas e és fã da banda tu queres ver mais tempo. Quando não conheces não vale a pena estar ali a martirizar, tens que deixar as pessoas à espera de mais, chegar ao fim e dizer “é pá, já acabou?”. Isso é bom sinal, percebes? Se as pessoas dizem “é pá cala-te lá, nunca mais acabas!” é que é mau... e a verdade é que nós não temos assim tanto repertório para mais de 45 minutos, mas nos achamos que 35, 40 minutos no máximo dá para as pessoas terem uma noção do nosso som e curtirem o concerto e é aquele limite certo...

AC: Vocês agora tocam o álbum inteiro?

RM: Já temos músicas novas mas nunca tocamos o álbum inteiro, há sempre uma ou duas que ficam de fora, tocamos 9, 10 músicas no máximo...

AC: O vosso álbum recebeu boas críticas em geral. Vocês acham que é um caso isolado ou os media portugueses estão mais disponíveis para aceitar artistas portugueses que cantem em inglês?

JV: Acho que independentemente do álbum ser português, inglês ou americano, deves ver a coisa pela música, e acho que o álbum está muito bom, do princípio ao fim, tem boas canções, que é a coisa mais importante, é um álbum muito directo, rápido e bastante simples, mas que funciona muito bem, como o Público disse é um álbum que apetece ouvir em loop, tu chegas ao fim e apetece-te ouvir outra vez... É um óptimo álbum de apresentação, que é como deve ser, não é pretensioso, com grandes arranjos ou conceitos. É simples e é nestes termos que se tem que fazer a crítica... O nosso álbum faz parte de uma época que se está a passar em todo o mundo, não é só em Portugal, e acho que pode competir com grandes bandas de que já falei, os Yeah-yeahs, os Rapture, os Liars.... e eu sinceramente acho que não fica muito atrás. Muita gente lá de fora, de bandas e de editoras, ouve e não vê grandes diferenças em termos de qualidade musical e de boas canções. Todas as críticas ao álbum foram boas e nós temos consciência de ter feito um trabalho bom, não é uma questão de ser arrogante, mas de não haver falsas modéstias.

AC: Vocês estavam a falar do facto do som ser actual e estar ao nível do que se faz lá fora. Cá há sempre aquela ideia que lá fora só resultam os Madredeus e alguma coisa do fado, e o resto, pop/rock que se faz por cá ou mesmo outros estilos não vingam... Acham que têm hipóteses lá fora, estão a lutar por isso?

JV: Em termos do produto em si temos hipóteses. Agora uma das barreiras que é um bocado difícil de ultrapassar é que exportar musica rock lá para fora é quase impossível. É mais fácil exportar fado e coisas como os Madredeus porque é uma coisa mais como “World Music”, porque é um estilo de música que só é feito cá, e então é um mercado de nicho, só Portugal é que faz, quem quer tem que ir buscar ali. O rock é feito em todo o mundo e as grandes editoras têm mais facilidade em pegar em bandas na América e Inglaterra. Nós estamos a tentar, agora é uma coisa muito difícil, não estamos com grandes esperanças. Se der, óptimo...

AC: Como é que vêm este som, esta onda actual a evoluir no futuro? A electrónica vai ganhar predominância sobre o rock, ou vice-versa, dentro deste estilo?

JV: Acho que a electónica vai prevalecer, e o rock também. Sinceramente bandas como os Strokes, que lançaram o segundo álbum mais fraco do que o primeiro, uma banda fazer isso é das piores coisas que pode acontecer. Temos que ter capacidade para desenvolver um trabalho, fazer uma coisa original, diferente do primeiro, pode ser até menos forte, outra vertente, mas ser original e diferente e mostrar outra vertente, e acompanhar os tempos ou fazer uma coisa só nossa. Há bandas que conseguem e outras não. Vamos ver... por exemplo os Liars já fizeram uma coisa completamente diferente, eu já ouvi o álbum, e é diferente do primeiro. Eu gosto muito mais do primeiro, mas ao menos não fizeram um álbum igual e eu acho isso bom e corajoso.

AC: Já começaram a trabalhar num novo álbum ou ainda estão na fase de digerir este?

RM: Já começamos....

JV: Já temos 3 músicas para o próximo álbum, é mais cru, mais violento! (risos).

RM: Mas não vai ser o “Feeding the Machine” parte 2, não é? Não tem lógica, se o álbum sair daqui a, sei lá, um ano, um ano e meio... temos que ver...

AC: Qual é o ciclo? Faz-se um álbum, promove-se, descansa-se um bocado, faz-se um novo, ou é tudo ao mesmo tempo?

JV: Não há ciclo. Fazes as canções, gravas, se estiverem mesmo boas e estás satisfeito lanças o álbum, não vale a pena estares a guardá-las, é deitar cá para fora. Gravas estas, o álbum está cá fora, e começas outra vez, e acho que o ciclo deve ser este. Nós agora também nos esforçamos um bocadinho para não ir pelo mesmo caminho que o primeiro álbum, há umas musicas que escrevemos que já deitámos fora porque achámos que estavam um bocado nestas linhas do primeiro e estamos a apostar numa coisa um bocado diferente... tu depois vês! (risos) Já vamos tocar as músicas novas nos concertos, por isso depois podem ver.

AC: O vosso som é um som bastante urbano. Há um público para os x-wife fora de Lisboa e do Porto? Para além dos festivais de verão já deram algum concerto fora destas cidades?

JV: Demos em Viana, Alcobaça, Paredes de Coura, Coimbra, Aveiro... Mas Porto e Lisboa têm muito mais público sempre. Há mais gente, e há mais gente que conhece. Em Lisboa no Lux esteve sempre cheio, tanto com os Liars como com os Losers, e no Porto tocámos no Mercedes e nos Maus hábitos e também esteve sempre cheio.

AC: E notaram alguma diferença na aceitação do público?

RM: Não, o de Alcobaça foi dos melhores que já demos, até...

AC: O vosso single chamava-se Rockin’ rio. Actuar no rock in rio lisboa está nos vossos planos? Ou não é dirigido ao vosso público?

JV: Não, o nosso público é todo, nos estamos abertos a toda a gente. Quando eu dei o nome à música nem sabia do Rock in Rio em Lisboa, foi mesmo assim uma espécie de uma sátira ao Rock in Rio do Rio de Janeiro e era para ter algum humor o nome da música. Quando soube que o Rock in Rio vinha para cá achei “olha que boa oportunidade para eles usarem a música e nos pagarem uns não sei quantos milhares de Euros” (risos). Mas acho que vão bandas portuguesas, estive a ler agora não sei em que jornal e falava disso...

AC: Para já têm sido anunciadas coisas mais “grande público”, mas sei que eles vão ter vários palcos, e não sei com o que é que eles os vão encher...

JV: Vamos ver.. . (risos)

AC: Que discos ouvem actualmente? E quais são as vossas referências intemporais?

JV: Intemporais: o Brian Eno, o Here Come the Warm Jets e o Another Green World são intemporais, os albums do Bowie da era de Berlim, o Low, o Heroes e o Lodger, são álbuns que não marcaram tanto uma época como o Ziggy Stardust, são mais intemporais, os àlbuns dos Joy Division, os primeiros dos Roxy Music... tudo fim dos anos 70... Também os Cure, aquele punk daquela altura em que as bandas parece que estão a começar a tocar, que fazem aquela música muito simples mas que acaba por funcionar muito bem, também vamos buscar aí referências... Coisas de agora: os LCD Sound System são uma banda muito interessante, que foram buscar também referências destas que eu falei, os Liars, os Rapture tiveram um single incrível, o House of Jealous Lovers, os Yeah-yeahs... há outra banda de que estou sempre a falar, os Pink Lips, que têm um som muito aproximado ao nosso...

AC: E tu Rui?

RM: São praticamente as mesmas coisas... nós ouvimos mais ou menos os três as mesmas coisas...


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