2010/04/10
Techno (de Detroit)
Em conversa com um amigo saiu-me a expressão "Techno de Detroit". Logo veio a pergunta "mas que raio é o Techno de Detroit?"... Uma rápida e mal amanhada resposta tipo "é aquela coisa com as batidas electrónicas repetitivas" serviu momentaneamente para manter a face e esconder a minha própria ignorância.
Mas a dúvida ficou. Afinal o que raio é o Techno de Detroit, e porque que se diz "de Detroit"? É para responder a estas coisas que serve o google, não é?
Pesquisa atrás de pesquisa fui parar a um documentário já com uns anitos (1996) do canal Arte chamado "Universal Techno". Nele aparecem os músicos originais do movimento em Detroit e outros que na Europa pegaram nesse trabalho e o desenvolveram.
pode ser visto aqui (video Dailymotion)
1.ª parte; 2.ª parte; 3.ª parte
Algumas ideias interessantes:
- A expressão Techno para designar a música parece que vem da expressão "Tecnho rebels" do livro Future Shock de Alvin Toffler (futurista de que pessoalmente gosto muito);
- A ideia que um som maquinal de ritmos repetitivos tinha de vir de uma cidade industrial, onde as pessoas lidam diariamente com maquinas cujo som é precisamente ritmado e repetitivo (a indústria automóvel foi das primeiras a adoptar a robotização);
- A ideia de Detroit como uma cidade que há cerca de 30 anos está a morrer devagarinho, ao perder pessoas e empregos, o que se presta à criação de uma banda sonora para distopia futurista
Afinal o que é que distingue o Techno "de Detroit"? Segundo a wikipedia, o uso de sintetizadores e drum-machines analógicos (elementar, era o material que existia no início dos anos 80 quando o estilo surgiu). Mas considerações à parte, vale a pena ver o documentário.
Mas a dúvida ficou. Afinal o que raio é o Techno de Detroit, e porque que se diz "de Detroit"? É para responder a estas coisas que serve o google, não é?
Pesquisa atrás de pesquisa fui parar a um documentário já com uns anitos (1996) do canal Arte chamado "Universal Techno". Nele aparecem os músicos originais do movimento em Detroit e outros que na Europa pegaram nesse trabalho e o desenvolveram.
pode ser visto aqui (video Dailymotion)
1.ª parte; 2.ª parte; 3.ª parte
Algumas ideias interessantes:
- A expressão Techno para designar a música parece que vem da expressão "Tecnho rebels" do livro Future Shock de Alvin Toffler (futurista de que pessoalmente gosto muito);
- A ideia que um som maquinal de ritmos repetitivos tinha de vir de uma cidade industrial, onde as pessoas lidam diariamente com maquinas cujo som é precisamente ritmado e repetitivo (a indústria automóvel foi das primeiras a adoptar a robotização);
- A ideia de Detroit como uma cidade que há cerca de 30 anos está a morrer devagarinho, ao perder pessoas e empregos, o que se presta à criação de uma banda sonora para distopia futurista
Afinal o que é que distingue o Techno "de Detroit"? Segundo a wikipedia, o uso de sintetizadores e drum-machines analógicos (elementar, era o material que existia no início dos anos 80 quando o estilo surgiu). Mas considerações à parte, vale a pena ver o documentário.
2010/04/08
Glaz'art
23 Nov 2009
Tendo de ir a Paris em trabalho, resolvi espreitar se estaria pela cidade luz alguma das minhas bandas favoritas.
Tendo de ir a Paris em trabalho, resolvi espreitar se estaria pela cidade luz alguma das minhas bandas favoritas.
E surpresa das surpresas, encontrei um concerto com os Leaves’ Eyes, integrado no tour http://www.myspace.com/beautyandthebeastfest.
Ainda convidei a Andreia, que tinha ido comigo, mas eu percebo que pagar 29 EUR para ver uma banda que não se conhece, e que provavelmente não faz o nosso género, acaba por ser disparatado. Fiquei com remorsos por não lhe fazer companhia ao jantar, deixando-a sozinha. E para ser honesto, apetecia-me dar um salto à Place du Tertre. Mas disse a mim próprio que oportunidades destas aparecem poucas vezes na vida. Sabia lá eu se alguma vez conseguiria ver estes tipos em Portugal.
Pus-me a caminho depois do trabalho, ás 18h00. Metro é a forma mais prática de chegar a Parc de La Villette, e ficando o escritório da subsidiária Francesa em Suresnes, apanhei o comboio para La Défense. Comprei o bilhete numa máquina automática, já na plataforma da estação, e mergulhei na hora de ponta de Paris. O que independentemente da altura do ano, nunca é algo meigo de se fazer.
La Défense é a Estação Oriente lá do sítio, o business district mais recente e modernaço de Paris, como um Parque das Nações, só que elevado a dez. Ou a vinte. A estação é um verdadeiro interface com duas ou três linhas de metro, e outras tantas de comboios sub-urbanos. É maior que um aeroporto pequeno.
Pelo mapa do metro era possível perceber que podia lá chegar através de duas linhas de metro. Quando fui comprar o bilhete (optei pela bilheteira, não estava muito seguro do que tinha de comprar para aquela zona) ainda perguntei qual a melhor opção. Mas aquilo não correu muito bem no meu Inglês / Francês / Português na salada do ruído de fundo da estação.
Como diria o tipo dos Gato Fedorento, fui dar uma granda volta! De La Défense a Chatelet ainda vá. Mas depois foram 17 estações de metro. Um grande esticão, e uma grande estucha. Acho que só este último trajecto demorou uns quarenta minutos. Como bom turista e habitual business traveller, desconheço por completo os arrabaldes das cidades que visito. Paris não é excepção, muito pelo contrário dada a sua dimensão obscena. Conhecer bem o centro e zonas históricas já é por si só um feito, quanto mais a zona saloia lá do sitio. E assim ia bastante atento aos outros passageiros, não fosse estar a caminho da Musgueira ou Cova da Moura Parisience. O que seria talvez até um elegante decadente, como é habitual nos Franceses. Afinal basta constatar como conseguem chamar Crème Brûlée ao simples leite creme. E como conseguem vender o Intendente local como Pigalle e Moulin Rouge. No entanto, apenas vi pessoas de regresso a casa no final do dia de trabalho. Nem tampouco vi a habitual romaria de preto, cabedal e botas Matrix, como é típico nestes eventos.
Parc de la Villette é uma zona muito movimentada. É feio, mas tem muita vida nas ruas. Tem prédios altos, hotéis, e um grande edifício tipo Centro Georges Pompidou chamado Cidade das Ciências. Andei para lá ás voltas à procura do Glaz’art, mas não encontrava o local, nem sequer placas com nomes de ruas. E como já era de noite e chovia eu estava a ficar farto e preocupado pois uma sala tipo Aula Magna seria por si só evidente. Além disso, não me conseguia divorciar do facto de não ter visto metaloides no metro, teria vindo ao engano, estaria num local completamente errado? Fui perguntar a um hotel, se conheciam o Glaz’art. Lá me indicaram o sitio e para meu espanto, ficava mesmo ao lado da saída do metro. Não tinha dado conta, pois aquilo é um bar(!) num edifício térreo e comprido de aspecto duvidoso (vê-se que tinha janelas, mas que foram emparedadas e pintadas por cima). Ao lado do edifício estava um tipo (que eu já tinha visto, mas não tinha ligado) protegido da chuva por um blusão e gorro. Percebi nessa altura que era o portas (aquilo tinha um carreirinho à volta, entra-se por trás). Perguntei por bilhetes e mandou-me entrar. Lá fui, compravam-se no Bengaleiro. E estava eu preocupado em que o concerto esgotasse...
Paguei e antes de entrar resolvi telefonar para um tipo do trabalho. Estava preocupado com uma treta qualquer, sinceramente já nem me lembro do que era. Falei cá fora, num local a coberto da chuva e aproveitei para fumar uma cigarrilha. Aqui já se ouviam os riffs e o ritmo e pratos da bateria, embora fosse impossível de conferir qualquer espécie de musicalidade à coisa. O que transpirava para o exterior era um som cru e incolor.
Acabado o telefonema e a Davidoff, resolvi mergulhar no Transmission Parisience. É um bar grande, sob o comprido, com o palco numa ponta e uma zona de ar livre na outra, embora coberta, para satisfazer fumadores. De alguma forma faz lembrar o Santiago Alquimista, embora só na zona do palco (ainda que no Glaz’art este seja mais alto, o que não é difícil), e em termos de largura. De resto é tudo diferente, bem comprido, com um bar de lado e algumas televisões transmitindo o que vai passando no palco. Não obstante, é bastante mais gore do que o antigo armazém do ARCO. Lá está, como o Transmission.
Quando entrei ainda tinha pouca gente. De lado tinham uma banquinha onde vendiam CDs, DVDs e T-Shirts das bandas. O tour Beauty And The Beast incorpora bandas num formato gothic metal, riffs puxados com uma senhora a cantar, normalmente a puxar para o soprano, mesmo que em voz de falsete. Isto é, englobaria um formato Nightwish, tanto com Tarja Turunen como com Annete Olzon. Assim, juntaram cinco bandas do género e toca de correrem a Europa. Deve ser uma maneira de dividir custos e tornar a coisa rentável. As bandas eram:
Elis e Streams of Passion - Não conhecia, quando cheguei estava uma destas bandas a acabar de tocar (depois de investigar na net constatei serem os Streams of Passion), parecia ter um grande andamento. Perdi a que tocou em primeiro lugar. Já agora, não consigo deixar de partilhar que nesta altura deviam estar umas trinta a quarenta pessoas no bar. Quando terminaram, um dos guitarristas berrou ao microfone good night Paris! Sim senhor, há que pensar em grande. Também hei-de fazer uma maratona de Singstar lá em casa, e sempre que acabar a minha vez grito obrigado Linda a Velha!
Atrocity - Banda alemã, com Alex Krull, vocalista conhecido no meio gothic / metal Europeu (por acaso tem um nome à maneira, faz-me lembrar o primeiro Highlander). Costuma cantar também com outras bandas em colaborações especiais (vide Phantom Sails To Orion dos Nightwish). O tipo desafinou um bocado quando tentou cantar, aconselho-o a ficar-se pelos grunhidos. Era a única banda da noite com vocalista masculino, embora tivesse duas majoretes de cabedal a rebolarem-se no palco (acho que foi o melhor dos Atrocity). Mas para não fugir ao mote, convidou uma senhora (na altura não percebi quem era, pensei até ser uma artista local) para cantar as últimas duas músicas. Mais tarde depois de investigar na net percebi ser a Sandra Schleret dos Elis (desafio-vos a lerem o apelido em voz alta à primeira se não forem Holandeses ou Alemães; convido-vos ainda a lerem o site dela, tem como hobbies, entre outros, daydreaming, self-discovery e belly dancing!...). Tocaram três covers engraçados, entre os quais Don't You Forget About Me dos Simple Minds e Shout dos Tears For Fears (muito bom, este último tema, o Alex conseguiu não desafinar). Mas justiça lhe seja feita, o Krull tem simpatia e carisma de sobra. Consegue grande interacção com o público, mesmo com pouca gente.
Sirenia - Banda bastante conhecida do movimento gótico, os tipos são bons, tocam bem e têm bom material. Já andam na estrada desde os anos 90. Grande som. Mais tarde forcei-me a ouvir algumas músicas de vários álbuns, mas à parte de uma ou outra, não consegui entranhar o animal.
Leaves' Eyes - A banda por quem todos aguardavam, ou pelo menos assim pareceu. Nesta altura o bar estava muito composto, e embora não deixasse de ser um bar, devia ter umas 300 pessoas. Aqui percebi, e mais tarde confirmei na net, que Atrocity e Leaves' Eyes são a mesma banda, com a diferença que os últimos têm uma vocalista feminina, uma Norueguesa de nome Liv Kristine, que canta com o Alex Krull (o marido), que aqui se limita e bem, ao grunhido. É engraçado procurar o background destes tipos na net, nem que seja apenas no Wikipedia. Ora o Alex tem uma irmã que já fez backing vocals nos Atrocity, e mais tarde mudou-se para a Nova Zelândia para ser cantora celta!
Tocaram praticamente apenas faixas do último álbum Njord que eu já conhecia. Tocaram ainda o imponente Farewell Proud Men do álbum Vinland Saga. A Liv Kristine canta muito bem e é muito querida com o público, é uma mulher muito bonita de ar maternal. De referir que eles tinham no local um CD/DVD ao vivo à venda na banca, entre as T-Shirts. Descarreguei-o da net quando cheguei a Lisboa (embora apenas a versão áudio). Não me levem a mal, já tinha gasto 29 EUR no bilhete mais 20 EUR numa T-Shirt). Para ser honesto acho que nalgumas faixas desse álbum a voz dela está de fugir. Fiquei perplexo, eu vi-a cantar a dois metros de mim, e posso testemunhar que a senhora canta muito bem. Ou pelo menos cantou nesse dia.
Não consigo deixar de pensar que esta banda é realmente low budget, um nicho, ao qual fui parar já nem sei bem como. Mas viva a internet, sem pirataria não os tinha conhecido, não tinha ido ao concerto, nem tinha uma T-Shirt muito cool. E acima de tudo, a música deles não tinha entrado na banda sonora da minha vida.
Saí, estavam eles a acabar a última música, Frøya’s Theme (sim, tive de ir à procura do ‘o’ Escandinavo marado na net).
Já era quase meia noite e eu queria despachar-me a encontrar um táxi, pois não queria voltar de metro para Suresnes. As ruas estavam praticamente desertas a esta hora e dei por mim a correr até a um cruzamento, presumindo ser um local onde passariam mais táxis.
Mas não andei muito até encontrar um parado no semáforo vermelho. Como tinha luz verde acesa, dirigi-me a ele, arranhando qualquer coisa como monsieur, vous être libre? (genial!). O taxista era um velhote que não falava Inglês e perguntou-me para onde queria ir. Respondi-lhe a Suresnes. O homem mirou-me dos pés à cabeça e atirou-me vous être Arabique? Mau! Deve ser da barba de cinco dias. Non, je suis Portugais. Grunhiu qualquer coisa e com ar insatisfeito fez-me sinal com a cabeça para entrar. Não me fiz rogado, não queria ficar apeado, até porque já via algumas pessoas na rua saídas do concerto, também à procura de táxi, ou não fosse segunda feira à noite.
Mal entrei ele começou a dissertar sobre onde seria Suresnes. Ó Diabo! Então o homem não sabe onde aquilo fica?! Deve ser a lei da sobrevivência, surpreendi-me a mim mesmo, como consegui falar tanto Francês com o homem. Atirei-lhe, entre outras pérolas, c’est a coté de La Défense. O homem lá foi andando, sem eu perceber se bem encaminhado ou não. Andámos numa espécie de CRIL ou 2ª Circular com quatro a seis faixas, enquanto o homem ia dissertando sobre os Portugueses que conhecia ou conheceu, não percebi muito bem, citando vários nomes como Ferrrnandô ou Márrriô.
Fora da via rápida o táxi não passava dos 40 km/h, e azar dos azares, lá resolveu meter ao Bois de Boulogne, meio perdido. Admito que comecei a ficar preocupado, é desta que me deixam nu atrás duma árvore! Eu lá ia repetindo a ladainha c’est a coté de La Défense. Enquanto ele me perguntava jusqu a la Pont de Puteaux? Eu tentava conter uma gargalhada, perante o nome da ponte Parisience semelhante a profissionais liberais e do facto de estarmos a passar por várias no Bois de Boulogne, algumas já prestando serviço a camionistas por ali estacionados.
Finalmente, e sem eu perceber como, o velhote lá desembocou na marginal que corre ao lado do Sena. Reconheci a Avenida, passo por ali normalmente quando venho de Charles de Gaulle. Fui mastigando com gestos de mão um decidido en frent! (mais tarde percebi que o que estava a dizer pura e simplesmente não existe, a chave era tout droit). Aqui o homem abrandou para uns desesperantes vinte ou trinta quilómetros por hora, perguntando-me em cada cruzamento à direita c’est ici? Ao que eu lá ia respondendo com o mesmo disparate en frent! Não admira que o tipo não percebesse.
Inesperadamente, e apesar dos meus protestos, já em Orc, resolveu voltar à direita, pela sua própria iniciativa, reclamando pelo facto de afinal ser perto da Ponte de Puteaux, já lhe podia ter dito. Eu meio sem jeito já não dizia nada. Ainda assim, ao fim de pouco tempo, apanhei o escritório da subsidiária Francesa pelo rabo do olho ao fundo de uma rua. Não foi preciso mais nada arrête ici, s’il vous plait, je sors ici. Lá encostou o carro e saí numa pequena rotunda para uma noite de chuva. Corri por uma rua pedonal, direito ao hotel, afinal ficava perto do escritório. Consegui chegar ao quarto pouco depois da meia noite, o que me pareceu um feito daqueles. Antes, ainda tive tempo de passar por um take away para comprar uma shoarma com batatas fritas e uma Coca-Cola. Não tinha jantado, aliás não comia desde o almoço, o Glaz’art não vendia comida, nem sequer pacotes de batatas fritas ou cacauetes. Tinha o estômago colado ás costas depois de três cervejas e muitas horas sem comer.
Eu conhecia este local de kebabs desde Maio de 2007, altura em que transferi trabalho de Paris para Lisboa. Ainda acabei por lá ir buscar o jantar algumas vezes durante as noitadas que fazíamos no escritório, por isso sabia que estava aberto até tarde. É um boteco pequeno, nessa noite tinha dois tipos atrás do balcão, possivelmente Magrebinos. Entusiasmado com o aparente sucesso da minha desenvoltura em Francês atirei je voudrais un shoarma avec des pommes frittes, et une Coca s’il vous plait. Desconheço se foi por falar baixo ou pelo meu sotaque, mas não me entenderam. Repeti o pedido, mas novamente não perceberam. Até que um deles me perguntou do you speak English? Lá acenei que sim, derrotado, e repeti a encomenda. Eles ficaram muito satisfeitos por se conseguirem fazer entender em Inglês e deitaram mãos à obra. Enquanto um atirava as batatas para a fritadeira, o outro começou a fazer a shoarma. Chamou-me perto da vitrina para eu escolher o molho, explicando que um tinha cebola, outro alho, etc. Aquilo parecia-me tudo igual, afinal eu só queria aquele típico da shoarma, um que parece maionese, até porque só conheço esse.
Enquanto tentava adivinhar com o olhar qual seria, o tipo observava-me longamente de perto. Aquilo tornou-se incomodativo ao ponto de me sentir obrigado a recuar um passo e devolver-lhe o olhar, interrogativo. Este tipo é parvo ou quê? Ele, com um sorriso cúmplice, perguntou-me agora em Francês vous être Arabique?
Ainda convidei a Andreia, que tinha ido comigo, mas eu percebo que pagar 29 EUR para ver uma banda que não se conhece, e que provavelmente não faz o nosso género, acaba por ser disparatado. Fiquei com remorsos por não lhe fazer companhia ao jantar, deixando-a sozinha. E para ser honesto, apetecia-me dar um salto à Place du Tertre. Mas disse a mim próprio que oportunidades destas aparecem poucas vezes na vida. Sabia lá eu se alguma vez conseguiria ver estes tipos em Portugal.
Pus-me a caminho depois do trabalho, ás 18h00. Metro é a forma mais prática de chegar a Parc de La Villette, e ficando o escritório da subsidiária Francesa em Suresnes, apanhei o comboio para La Défense. Comprei o bilhete numa máquina automática, já na plataforma da estação, e mergulhei na hora de ponta de Paris. O que independentemente da altura do ano, nunca é algo meigo de se fazer.
La Défense é a Estação Oriente lá do sítio, o business district mais recente e modernaço de Paris, como um Parque das Nações, só que elevado a dez. Ou a vinte. A estação é um verdadeiro interface com duas ou três linhas de metro, e outras tantas de comboios sub-urbanos. É maior que um aeroporto pequeno.
Pelo mapa do metro era possível perceber que podia lá chegar através de duas linhas de metro. Quando fui comprar o bilhete (optei pela bilheteira, não estava muito seguro do que tinha de comprar para aquela zona) ainda perguntei qual a melhor opção. Mas aquilo não correu muito bem no meu Inglês / Francês / Português na salada do ruído de fundo da estação.
Como diria o tipo dos Gato Fedorento, fui dar uma granda volta! De La Défense a Chatelet ainda vá. Mas depois foram 17 estações de metro. Um grande esticão, e uma grande estucha. Acho que só este último trajecto demorou uns quarenta minutos. Como bom turista e habitual business traveller, desconheço por completo os arrabaldes das cidades que visito. Paris não é excepção, muito pelo contrário dada a sua dimensão obscena. Conhecer bem o centro e zonas históricas já é por si só um feito, quanto mais a zona saloia lá do sitio. E assim ia bastante atento aos outros passageiros, não fosse estar a caminho da Musgueira ou Cova da Moura Parisience. O que seria talvez até um elegante decadente, como é habitual nos Franceses. Afinal basta constatar como conseguem chamar Crème Brûlée ao simples leite creme. E como conseguem vender o Intendente local como Pigalle e Moulin Rouge. No entanto, apenas vi pessoas de regresso a casa no final do dia de trabalho. Nem tampouco vi a habitual romaria de preto, cabedal e botas Matrix, como é típico nestes eventos.
Parc de la Villette é uma zona muito movimentada. É feio, mas tem muita vida nas ruas. Tem prédios altos, hotéis, e um grande edifício tipo Centro Georges Pompidou chamado Cidade das Ciências. Andei para lá ás voltas à procura do Glaz’art, mas não encontrava o local, nem sequer placas com nomes de ruas. E como já era de noite e chovia eu estava a ficar farto e preocupado pois uma sala tipo Aula Magna seria por si só evidente. Além disso, não me conseguia divorciar do facto de não ter visto metaloides no metro, teria vindo ao engano, estaria num local completamente errado? Fui perguntar a um hotel, se conheciam o Glaz’art. Lá me indicaram o sitio e para meu espanto, ficava mesmo ao lado da saída do metro. Não tinha dado conta, pois aquilo é um bar(!) num edifício térreo e comprido de aspecto duvidoso (vê-se que tinha janelas, mas que foram emparedadas e pintadas por cima). Ao lado do edifício estava um tipo (que eu já tinha visto, mas não tinha ligado) protegido da chuva por um blusão e gorro. Percebi nessa altura que era o portas (aquilo tinha um carreirinho à volta, entra-se por trás). Perguntei por bilhetes e mandou-me entrar. Lá fui, compravam-se no Bengaleiro. E estava eu preocupado em que o concerto esgotasse...
Paguei e antes de entrar resolvi telefonar para um tipo do trabalho. Estava preocupado com uma treta qualquer, sinceramente já nem me lembro do que era. Falei cá fora, num local a coberto da chuva e aproveitei para fumar uma cigarrilha. Aqui já se ouviam os riffs e o ritmo e pratos da bateria, embora fosse impossível de conferir qualquer espécie de musicalidade à coisa. O que transpirava para o exterior era um som cru e incolor.
Acabado o telefonema e a Davidoff, resolvi mergulhar no Transmission Parisience. É um bar grande, sob o comprido, com o palco numa ponta e uma zona de ar livre na outra, embora coberta, para satisfazer fumadores. De alguma forma faz lembrar o Santiago Alquimista, embora só na zona do palco (ainda que no Glaz’art este seja mais alto, o que não é difícil), e em termos de largura. De resto é tudo diferente, bem comprido, com um bar de lado e algumas televisões transmitindo o que vai passando no palco. Não obstante, é bastante mais gore do que o antigo armazém do ARCO. Lá está, como o Transmission.
Quando entrei ainda tinha pouca gente. De lado tinham uma banquinha onde vendiam CDs, DVDs e T-Shirts das bandas. O tour Beauty And The Beast incorpora bandas num formato gothic metal, riffs puxados com uma senhora a cantar, normalmente a puxar para o soprano, mesmo que em voz de falsete. Isto é, englobaria um formato Nightwish, tanto com Tarja Turunen como com Annete Olzon. Assim, juntaram cinco bandas do género e toca de correrem a Europa. Deve ser uma maneira de dividir custos e tornar a coisa rentável. As bandas eram:
Elis e Streams of Passion - Não conhecia, quando cheguei estava uma destas bandas a acabar de tocar (depois de investigar na net constatei serem os Streams of Passion), parecia ter um grande andamento. Perdi a que tocou em primeiro lugar. Já agora, não consigo deixar de partilhar que nesta altura deviam estar umas trinta a quarenta pessoas no bar. Quando terminaram, um dos guitarristas berrou ao microfone good night Paris! Sim senhor, há que pensar em grande. Também hei-de fazer uma maratona de Singstar lá em casa, e sempre que acabar a minha vez grito obrigado Linda a Velha!
Atrocity - Banda alemã, com Alex Krull, vocalista conhecido no meio gothic / metal Europeu (por acaso tem um nome à maneira, faz-me lembrar o primeiro Highlander). Costuma cantar também com outras bandas em colaborações especiais (vide Phantom Sails To Orion dos Nightwish). O tipo desafinou um bocado quando tentou cantar, aconselho-o a ficar-se pelos grunhidos. Era a única banda da noite com vocalista masculino, embora tivesse duas majoretes de cabedal a rebolarem-se no palco (acho que foi o melhor dos Atrocity). Mas para não fugir ao mote, convidou uma senhora (na altura não percebi quem era, pensei até ser uma artista local) para cantar as últimas duas músicas. Mais tarde depois de investigar na net percebi ser a Sandra Schleret dos Elis (desafio-vos a lerem o apelido em voz alta à primeira se não forem Holandeses ou Alemães; convido-vos ainda a lerem o site dela, tem como hobbies, entre outros, daydreaming, self-discovery e belly dancing!...). Tocaram três covers engraçados, entre os quais Don't You Forget About Me dos Simple Minds e Shout dos Tears For Fears (muito bom, este último tema, o Alex conseguiu não desafinar). Mas justiça lhe seja feita, o Krull tem simpatia e carisma de sobra. Consegue grande interacção com o público, mesmo com pouca gente.
Sirenia - Banda bastante conhecida do movimento gótico, os tipos são bons, tocam bem e têm bom material. Já andam na estrada desde os anos 90. Grande som. Mais tarde forcei-me a ouvir algumas músicas de vários álbuns, mas à parte de uma ou outra, não consegui entranhar o animal.
Leaves' Eyes - A banda por quem todos aguardavam, ou pelo menos assim pareceu. Nesta altura o bar estava muito composto, e embora não deixasse de ser um bar, devia ter umas 300 pessoas. Aqui percebi, e mais tarde confirmei na net, que Atrocity e Leaves' Eyes são a mesma banda, com a diferença que os últimos têm uma vocalista feminina, uma Norueguesa de nome Liv Kristine, que canta com o Alex Krull (o marido), que aqui se limita e bem, ao grunhido. É engraçado procurar o background destes tipos na net, nem que seja apenas no Wikipedia. Ora o Alex tem uma irmã que já fez backing vocals nos Atrocity, e mais tarde mudou-se para a Nova Zelândia para ser cantora celta!
Tocaram praticamente apenas faixas do último álbum Njord que eu já conhecia. Tocaram ainda o imponente Farewell Proud Men do álbum Vinland Saga. A Liv Kristine canta muito bem e é muito querida com o público, é uma mulher muito bonita de ar maternal. De referir que eles tinham no local um CD/DVD ao vivo à venda na banca, entre as T-Shirts. Descarreguei-o da net quando cheguei a Lisboa (embora apenas a versão áudio). Não me levem a mal, já tinha gasto 29 EUR no bilhete mais 20 EUR numa T-Shirt). Para ser honesto acho que nalgumas faixas desse álbum a voz dela está de fugir. Fiquei perplexo, eu vi-a cantar a dois metros de mim, e posso testemunhar que a senhora canta muito bem. Ou pelo menos cantou nesse dia.
Não consigo deixar de pensar que esta banda é realmente low budget, um nicho, ao qual fui parar já nem sei bem como. Mas viva a internet, sem pirataria não os tinha conhecido, não tinha ido ao concerto, nem tinha uma T-Shirt muito cool. E acima de tudo, a música deles não tinha entrado na banda sonora da minha vida.
Saí, estavam eles a acabar a última música, Frøya’s Theme (sim, tive de ir à procura do ‘o’ Escandinavo marado na net).
Já era quase meia noite e eu queria despachar-me a encontrar um táxi, pois não queria voltar de metro para Suresnes. As ruas estavam praticamente desertas a esta hora e dei por mim a correr até a um cruzamento, presumindo ser um local onde passariam mais táxis.
Mas não andei muito até encontrar um parado no semáforo vermelho. Como tinha luz verde acesa, dirigi-me a ele, arranhando qualquer coisa como monsieur, vous être libre? (genial!). O taxista era um velhote que não falava Inglês e perguntou-me para onde queria ir. Respondi-lhe a Suresnes. O homem mirou-me dos pés à cabeça e atirou-me vous être Arabique? Mau! Deve ser da barba de cinco dias. Non, je suis Portugais. Grunhiu qualquer coisa e com ar insatisfeito fez-me sinal com a cabeça para entrar. Não me fiz rogado, não queria ficar apeado, até porque já via algumas pessoas na rua saídas do concerto, também à procura de táxi, ou não fosse segunda feira à noite.
Mal entrei ele começou a dissertar sobre onde seria Suresnes. Ó Diabo! Então o homem não sabe onde aquilo fica?! Deve ser a lei da sobrevivência, surpreendi-me a mim mesmo, como consegui falar tanto Francês com o homem. Atirei-lhe, entre outras pérolas, c’est a coté de La Défense. O homem lá foi andando, sem eu perceber se bem encaminhado ou não. Andámos numa espécie de CRIL ou 2ª Circular com quatro a seis faixas, enquanto o homem ia dissertando sobre os Portugueses que conhecia ou conheceu, não percebi muito bem, citando vários nomes como Ferrrnandô ou Márrriô.
Fora da via rápida o táxi não passava dos 40 km/h, e azar dos azares, lá resolveu meter ao Bois de Boulogne, meio perdido. Admito que comecei a ficar preocupado, é desta que me deixam nu atrás duma árvore! Eu lá ia repetindo a ladainha c’est a coté de La Défense. Enquanto ele me perguntava jusqu a la Pont de Puteaux? Eu tentava conter uma gargalhada, perante o nome da ponte Parisience semelhante a profissionais liberais e do facto de estarmos a passar por várias no Bois de Boulogne, algumas já prestando serviço a camionistas por ali estacionados.
Finalmente, e sem eu perceber como, o velhote lá desembocou na marginal que corre ao lado do Sena. Reconheci a Avenida, passo por ali normalmente quando venho de Charles de Gaulle. Fui mastigando com gestos de mão um decidido en frent! (mais tarde percebi que o que estava a dizer pura e simplesmente não existe, a chave era tout droit). Aqui o homem abrandou para uns desesperantes vinte ou trinta quilómetros por hora, perguntando-me em cada cruzamento à direita c’est ici? Ao que eu lá ia respondendo com o mesmo disparate en frent! Não admira que o tipo não percebesse.
Inesperadamente, e apesar dos meus protestos, já em Orc, resolveu voltar à direita, pela sua própria iniciativa, reclamando pelo facto de afinal ser perto da Ponte de Puteaux, já lhe podia ter dito. Eu meio sem jeito já não dizia nada. Ainda assim, ao fim de pouco tempo, apanhei o escritório da subsidiária Francesa pelo rabo do olho ao fundo de uma rua. Não foi preciso mais nada arrête ici, s’il vous plait, je sors ici. Lá encostou o carro e saí numa pequena rotunda para uma noite de chuva. Corri por uma rua pedonal, direito ao hotel, afinal ficava perto do escritório. Consegui chegar ao quarto pouco depois da meia noite, o que me pareceu um feito daqueles. Antes, ainda tive tempo de passar por um take away para comprar uma shoarma com batatas fritas e uma Coca-Cola. Não tinha jantado, aliás não comia desde o almoço, o Glaz’art não vendia comida, nem sequer pacotes de batatas fritas ou cacauetes. Tinha o estômago colado ás costas depois de três cervejas e muitas horas sem comer.
Eu conhecia este local de kebabs desde Maio de 2007, altura em que transferi trabalho de Paris para Lisboa. Ainda acabei por lá ir buscar o jantar algumas vezes durante as noitadas que fazíamos no escritório, por isso sabia que estava aberto até tarde. É um boteco pequeno, nessa noite tinha dois tipos atrás do balcão, possivelmente Magrebinos. Entusiasmado com o aparente sucesso da minha desenvoltura em Francês atirei je voudrais un shoarma avec des pommes frittes, et une Coca s’il vous plait. Desconheço se foi por falar baixo ou pelo meu sotaque, mas não me entenderam. Repeti o pedido, mas novamente não perceberam. Até que um deles me perguntou do you speak English? Lá acenei que sim, derrotado, e repeti a encomenda. Eles ficaram muito satisfeitos por se conseguirem fazer entender em Inglês e deitaram mãos à obra. Enquanto um atirava as batatas para a fritadeira, o outro começou a fazer a shoarma. Chamou-me perto da vitrina para eu escolher o molho, explicando que um tinha cebola, outro alho, etc. Aquilo parecia-me tudo igual, afinal eu só queria aquele típico da shoarma, um que parece maionese, até porque só conheço esse.
Enquanto tentava adivinhar com o olhar qual seria, o tipo observava-me longamente de perto. Aquilo tornou-se incomodativo ao ponto de me sentir obrigado a recuar um passo e devolver-lhe o olhar, interrogativo. Este tipo é parvo ou quê? Ele, com um sorriso cúmplice, perguntou-me agora em Francês vous être Arabique?